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Centro de Arbitragem e Mediação da OMPI

 

DECISÃO DO PAINEL DE ESPECIALISTAS

Nasamotor - Veículos e Peças, Lda. v. Albertino Cancudaza

Demanda Nº D2004-0885

 

1. As Partes

O Reclamante é Nasamotor - Veículos e Peças, Ltda., com sede em Porto, Portugal, representada neste procedimento por seu advogado Miguel Pupo Correia, Lisboa, Portugal.

O Reclamado é Albertino Cancudaza, a/c Network Solutions, L.L.C., com sede em Herndon, VA, Estados Unidos.

 

2. O Nome de Domínio e o Registrador

O nome de domínio é <nasamotor.com>, registrado com Network Solutions, L.L.C.

 

3. Histórico do Procedimento

A reclamação foi apresentada por Nasamotor – Veículos e Peças, Lda. em 25 de outubro de 2004, em via impressa.

Em 3 de novembro de 2004, o Reclamante foi intimado para cumprir irregularidade na Reclamação, a fim de apresentar a Reclamação em formato eletrônico ao Centro de Mediação e Arbitragem da OMPI, o que foi cumprido em 8 de novembro de 2004.

Este Centro verificou que a reclamação atende aos requisitos formais, ou seja, Parágrafo 4(a) do Regulamento (o “Regulamento”) da Política Uniforme de Solução de Disputas Relativas a Nomes de Domínio e Regulamento Suplementar para a Política Uniforme de Solução de Disputas Relativas a Nomes de Domínio (a “Política”). O Reclamante efetuou pagamento da quantia devida ao Centro.

Em 9 de novembro de 2004, o Reclamado foi intimado e deu-se início ao procedimento administrativo.

Em 30 de novembro de 2004, o Reclamado foi notificado sobre o seu inadimplemento, já que não respondeu à Reclamação dentro do prazo.

Em 14 de dezembro de 2004, deu-se a intimação da nomeação do Painel de Especialistas, formado por um só membro, que aceitou sua nomeação, assinando sua Declaração de Imparcialidade e Independência.

Em 5 de janeiro de 2005, o Reclamado contatou o Centro, alegando não ter recebido qualquer comunicação de que seu nome de domínio era objeto de uma disputa e que somente tomou conhecimento deste fato em 28 de dezembro de 2004, através da Network Solutions. Nesta mesma data, a Network Solutions enviou e-mail ao Centro, reconhecendo que havia fornecido à OMPI o endereço genérico de contato do Reclamado, e não seu endereço privado, o que não permitiu que ele recebesse a Reclamação.

Diante destes fatos, em 11 de janeiro de 2005 o Painel de Especialistas emitiu uma ordem, concedendo ao Reclamado um prazo para apresentação de sua contestação, com término em 31 de janeiro de 2005, ficando o prazo para apresentação da decisão pelo Painel de Especialistas adiado para 14 de fevereiro de 2005.

 

4. Questões de Fato

O Reclamante é Nasamotor – Veículos e Peças, Lda., sociedade portuguesa constituída em 17 de setembro de 1996, dedicada à importação, exportação e comércio de automóveis, suas peças e acessórios e respectiva indústria de reparação.

O Reclamante é titular do nome de domínio <nasamotor.pt>, registrado em 13 de março de 2000.

O Reclamante alega que, desde sua constituição, vem usando amplamente e habitualmente o nome “NASAMOTOR” para identificar os seus serviços, tendo investido significativos recursos e esforços na promoção da marca “NASAMOTOR”, embora só tenha solicitado o registro desse nome como marca em 15 de outubro de 2004.

O Reclamado é Albertino Cancudaza, a/c de Network Solutions, L.L.C., com endereço em Herndon, VA, Estados Unidos.

O Nome de Domínio foi registrado por Ana Alves, com endereço em Gaia, Portugal, em 06 de novembro de 2003. Posteriormente, o Nome de Domínio foi transferido ao Reclamado.

 

5. Alegações das Partes

A. Reclamante

O Reclamante alega que o elemento fundamental do Nome de Domínio (a palavra “nasamotor”) é idêntico à sua marca de serviços, ao seu nome comercial ao seu nome de domínio <nasamotor.pt>, registrado anteriormente, em 13 de março de 2000.

O Reclamante alega que tem usado ampla e habitualmente o nome “NASAMOTOR” como marca, para identificar e fazer publicidade de seus serviços, tendo investido significativos recursos, esforços e dinheiro na promoção da marca “NASAMOTOR” ao longo de oito anos, através de anúncios na imprensa e outros meios publicitários, em papel timbrado e em materiais promocionais dos seus negócios.

O Reclamante ressalta que, apesar de a marca “NASAMOTOR” não se encontrar ainda registrada, ele tem direitos sobre ela devido ao uso continuado, conforme previsto pelo direito português. Ademais, o fato de ter requerido o registro da marca “NASAMOTOR” recentemente conferiria ao Reclamante uma proteção provisória sobre esse sinal.

O Reclamante alega que vendeu à Ana Alves (primeiro titular do Nome de Domínio) um automóvel “Mercedes-Benz” em junho de 2003 e, alguns dias após a entrega do veículo, a compradora retornou ao Reclamante porque o veículo apresentou problemas, mas estes teriam sido prontamente sanados.

O Reclamante alega que, alguns meses após o fato acima descrito, Ana Alves comunicou ao Reclamante que abrira um sítio na internet - “www.nasamotor.com” - onde relatava as divergências entre ela e o Reclamante.

O Reclamante alega que esse sítio exibe, com destaque, a marca “NASAMOTOR”, a marca “MERCEDES-BENZ” e respectivo logotipo e foto da fachada do stand de vendas do Reclamante. Quanto ao conteúdo, o sítio narra as desavenças ocorridas entre o Reclamante e a Sra. Ana Alves e faz afirmações atentatórias à reputação do Reclamante. Porém, mesmo após a transferência do domínio da Sra. Ana Alves para o Reclamado, o referido sítio continuou a exibir o mesmo conteúdo. Com base nesses fatos, o Reclamante conclui que o Reclamado não tem qualquer direito ou interesse legítimo sobre a expressão “NASAMOTOR”.

O Reclamante alega que o Reclamado nunca usou o Nome de Domínio em relação a uma oferta de boa fé de quaisquer bens ou serviços, que o Reclamado não é comumente conhecido pela expressão “NASAMOTOR”, que o Reclamado não é titular nem usuário de nenhuma marca ou nome comercial contendo a expressão “NASAMOTOR”, exceto o Nome de Domínio em questão, nem foi autorizado pelo Reclamante a usar essa marca.

O Reclamante alega, ainda, que o sítio do Reclamado tem o único objetivo de denegrir a imagem do Reclamante e o uso da marca “NASAMOTOR” na primeira página do sítio pode confundir e enganar os consumidores. Além disso, o uso da terminação “.com” faz presumir uma atividade comercial, o que não ocorre, já que o Nome de Domínio identifica um sítio que visa somente fazer críticas sobre o Reclamante. Diante desses fatos, o Reclamante conclui que o uso por parte do Reclamado é ilegítimo e de má fé.

B. Reclamado

O Reclamado apresentou sua contestação dentro do prazo previsto na Ordem do Painel, alegando o que segue.

O Reclamado não é fictício, mas sim pessoa natural, e seu vínculo com a Sra. Ana Alves decorre de relações profissionais e de amizade.

O Reclamado contesta a alegação do Reclamante de que o conteúdo do sítio não sofreu alterações após a transferência da Sra. Ana Alves para o Reclamado, esclarecendo que o sítio passou a incluir histórias de terceiros, análogas à ocorrida com a Sra. Ana Alves, e que pretende incluir outras tantas.

O Reclamado alega que o objetivo do seu sítio não é prejudicar comercialmente a empresa Nasamotor, mas sim evidenciar vantagens de outros concessionários em desfavor da Nasamotor. Quanto à questão se o conteúdo do sítio é difamatório ou não, cabe aos tribunais decidir, diz o Reclamado. Segundo ele, o objetivo do sítio é simplesmente narrar uma história, exercendo a liberdade de expressão, e que isto não constitui crime.

O Reclamado contesta a alegação do Reclamante de que o uso do .com faz presumir que o sítio tem finalidades comerciais. Segundo ele, a terminação .com é usada para os mais diversos fins e .pt seria a mais adequada ao Reclamante, já que suas atividades comerciais se restringem ao território português.

Quanto à alegação do Reclamante de que sua imagem comercial teria sido afetada em face do grande número de visitas recebidas pelo sítio nasamotor.com, o Reclamado se queixa da falta de provas do declínio das vendas do Reclamante desde que o sítio foi criado pelo Reclamado.

Finalmente, o Reclamado alega que o Reclamante não comprovou que possui direitos sobre a marca NASAMOTOR, pois não possui registro nem mesmo em Portugal, apesar de a empresa já existir há mais de 8 anos. Além disso, o Reclamado diz não ser aplicável neste caso o Direito Português, conforme alegado pelo Reclamante, já que o nome de domínio foi registrado e alojado nos Estados Unidos por um cidadão moçambicano.

 

6. Análise e Conclusões

Este procedimento administrativo requer a constatação de três circunstâncias previstas no parágrafo 4(a) da Política Uniforme de Solução de Disputas:

i) o Nome de Domínio é igual ou semelhante à marca sobre a qual o Reclamante tem direitos, podendo com ela ser confundido; e

ii) o Reclamado não tem direitos ou interesses legítimos sobre o Nome de Domínio; e

iii) o Nome de Domínio foi registrado e está sendo utilizado de má fé.

Quanto ao primeiro requisito da Política, verifica-se que o Reclamante não é titular de nenhum registro para a marca “NASAMOTOR”, havendo somente requerido seu registro em 15 de outubro de 2004, ou seja, 10 dias antes de dar início à sua Reclamação. Por outro lado, com base nas informações e documentos anexados à Reclamação, verifica-se que o Reclamante vem fazendo uso da expressão “NASAMOTOR” ora como marca, ora como nome comercial, para identificar suas atividades, e promover os serviços da empresa, através de publicidade.

O uso contínuo da expressão NASAMOTOR como parte do nome comercial do Reclamante, não confere a este, em princípio, o direito de impedir o uso dessa expressão pelo Reclamado, já que o item 4(a)(i) se aplica a uma marca sobre a qual o Reclamante teria direitos. Embora quase todas as leis nacionais e a própria Convenção de Paris (artigo 8º) confiram proteção aos nomes comerciais contra tentativas de usurpação, a Política se limita a verificar se o nome de domínio conflita com marca. Portanto, este Painel se limita a avaliar a questão sob este prisma.

Analisando as provas apresentadas pelo Reclamante, este Painel verificou que NASAMOTOR tem sido usado não só como parte do nome comercial mas também como marca de serviço do Reclamante, conforme comprovam os anexos L, N, Q e R.

Além disso, o Direito Português, confere aos titulares de pedidos de registro de marca direitos provisórios sobre a marca (CPI, artigo 5º). Como o item (i) do parágrafo 4(a) da Política não requer que a marca do Reclamante esteja registrada em seu nome, mas que seja, sim, uma marca sobre a qual o Reclamante tem direitos, este Painel conclui que a condição prevista no item (i) foi cumprida.

Em seguida, cabe analisar se o Reclamado tem direitos ou interesse legítimo sobre o Nome de Domínio. Conforme parágrafo 4(c) da Política, algumas circunstâncias, dentre outras, caracterizariam o legítimo interesse do Reclamado sobre o Nome de Domínio, a saber: o Reclamado fez preparativos para utilização do Nome de Domínio em relação a uma oferta de boa fé de produtos e serviços; o Reclamado é usualmente conhecido através do Nome de Domínio; o Reclamado faz uso legítimo e não comercial do Nome de Domínio, sem intenção de desviar consumidores ou denegrir a marca em questão.

O Nome de Domínio visa identificar um sítio com o único propósito de fazer críticas aos serviços prestados pelo Reclamante. Não está relacionado, assim, com nenhuma oferta de produtos ou serviços.

O primeiro titular do Nome de Domínio (Sra. Ana Alves) não é senão uma ex-cliente do Reclamante, insatisfeita com os serviços prestados por aquele por ocasião da compra de um veículo. O atual titular do Nome de Domínio, Sr. Albertino Cancudaza (Reclamado), não tem nem nunca teve qualquer relação com o Reclamante. Portanto, nem a Sra. Ana Alves nem o Sr. Albertino Cancudaza são normalmente conhecidos ou identificados com a expressão “NASAMOTOR”.

Cabe, ainda, analisar se o Reclamado está fazendo uso legítimo e não comercial do Nome de Domínio, sem intenção de desviar consumidores com o intuito de lucro ou denegrir a marca..

Conforme bem ressaltado na decisão OMPI No. D2001-0477, Banque Cantonale de Genève v. Primatex Group S.A., os sítios de protestos refletem um interesse legítimo, baseado no direito que cada cidadão tem de expressar suas opiniões. No entanto, esse direito deve ser usufruído de forma não-abusiva. No presente caso, embora o Reclamado esteja exercendo seu direito de criticar a empresa Nasamotor Veículos e Peças, Lda., e não esteja fazendo uso comercial do Nome de Domínio, o conteúdo do sítio faz duras críticas visando denegrir a imagem daquela empresa, desestimulando o público a contratar os seus serviços. Ademais, não há qualquer elemento no Nome de Domínio que o caracterize como um sítio dedicado a críticas. O Reclamado usa a própria marca do Reclamante para tal. Assim, o consumidor, ao tentar buscar informações sobre o Reclamante, é inocentemente encaminhado para uma página onde encontra somente críticas ao Reclamante. Assim sendo, constata-se que há intenção de desviar os consumidores, embora sem intuito de lucro, e, principalmente, a intenção de denegrir a marca e a imagem do Reclamante.

Nessas circunstâncias, este Painel acredita que o Reclamado não tem direitos ou legítimo interesse sobre o Nome de Domínio, conforme requer o item 4(a)(ii) da Política.

Finalmente, cabe verificar se o item 4(a)(iii) da Política está presente neste caso, ou seja, se o Nome de Domínio foi registrado e está sendo usado de má fé. O referido item 4(b) da Política prevê algumas circunstâncias que podem caracterizar a má fé por parte do Reclamado. Essas circunstâncias são apenas exemplificativas e não é necessário que todas estejam presentes.

A princípio, nenhuma das hipóteses previstas no item 4(b) parecem se adequar perfeitamente ao presente caso. A que mais se aproxima é a hipótese prevista no item (iii), ou seja, quando o nome de domínio foi registrado com o objetivo de prejudicar os negócios de um concorrente. No caso do Nome de Domínio <nasamotor.com>, não há duvida de que o Reclamado, ao registrar o Nome de Domínio, tinha o objetivo de fazer críticas severas às atividades do Reclamante, denegrindo sua imagem perante o público e, conseqüentemente, prejudicando seus negócios. Contudo, não existe uma relação de concorrência entre Reclamante e Reclamado, já que nem o primeiro titular do Nome de Domínio e criador do sítio “www.nasamotor.com” (Sra. Ana Alves), nem o atual Reclamante, Sr. Albertino Cancudaza, prestam qualquer serviço na área de veículos, peças e acessórios.

Por outro lado, como já dito anteriormente, as quatro hipóteses previstas no item 4(b) da Política não são exaustivas, podendo haver outras hipóteses que caracterizariam má fé por parte do Reclamado. Assim, embora no caso ora em exame as partes não sejam concorrentes entre si, porque não atuam no mesmo segmento de mercado, não resta dúvida de que o registro teve o objetivo de prejudicar as atividades do Reclamante e que houve má fé pelo fato de o Reclamado se utilizar da marca “NASAMOTOR”, pertencente ao Reclamante, para atrair internautas para o seu sítio de protestos contra a empresa Nasamotor Veículos e Peças, Lda.. Esse artifício foi, de fato, eficaz, pois, segundo o Reclamante, o sítio em questão teve cerca de 430 mil páginas visitadas no período de um ano, um número que pode ser considerado excessivamente alto para um sítio de protesto.

Outros painéis da OMPI reconheceram a existência de má fé em casos semelhantes, conforme decisões proferidas nos casos OMPI No. D2001-0477, Banque Cantonale de Genève v. Primatex Group S.A.,e No. D2003-0372, Delta Air Transport NV (trading as SN Brussels Airlines) v. Theodule De Souza. No entanto, tivesse o Reclamado agregado à marca alguma outra palavra indicativa de que seu sítio era um sítio de protesto contra o Reclamante em vez de usar a própria marca do Reclamante, talvez não se configurasse a má fé, como não o foi no caso OMPI No. D2004-0206, Covance, Inc. and Covance Laboratories Ltd. v. The Covance Campaign, referente ao nome de domínio “www.covancecampaign.com”, onde o acréscimo da palavra “campaign” fez a diferença.

Com base nas considerações acima, o Painel conclui que o Nome de Domínio foi registrado e é utilizado de má fé.

 

7. Decisão

Tendo em vista que o Nome de Domínio é idêntico à marca sobre a qual o Reclamante tem direitos, que o Reclamado não tem direitos ou legítimo interesse em relação ao Nome de Domínio e que o Nome de Domínio foi registrado e está sendo utilizado de má fé, este Painel decide, de acordo com o Parágrafo 4(i) da Política e 15 do Regulamento, que o Nome de Domínio <nasamotor.com> deve ser transferido para o Reclamante.


Peter Dirk Siemsen
Panelista

Data: 14 de fevereiro de 2005

 

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